quinta-feira, 17 de abril de 2014

Governo age para licitar a usina de Tapajós

A avaliação ambiental integrada da hidrelétrica foi concluída na sexta-feira. É o primeiro passo para vender o complexo na Amazônia.
Com uma audiência pública marcada para o próximo dia 29, o governo inicia oficialmente a corrida para licitar, ainda este ano, as primeiras hidrelétricas da Bacia do Rio Tapajós, no Pará, considerada a nova fronteira hidrelétrica brasileira. A audiência discutirá a Avaliação Ambiental Integrada (AAI) da bacia, divulgada na última sexta-feira, que aponta impactos cumulativos dos sete aproveitamentos hidrelétricos identificados na região, que somam uma potência de 14,2 mil megawatts (MW). O objetivo é tentar evitar a repetição dos conflitos que retardaram as obras de Belo Monte, no Rio Xingu, maior usina em construção no país.

A primeira licitação da bacia do Rio Tapajós está prevista para ocorrer ainda este ano. Será a usina de São Luiz do Tapajós, com potência instalada de 6.133 mil MW. O planejamento do setor elétrico prevê ainda outra usina na região com início de operações até 2020, Jatobá, com potência instalada de 2.338 MW. Juntas, as duas têm capacidade para gerar o mesmo volume de Belo Monte — que, embora tenha potência de 11.233 MW, garante a entrega de 4.571 MW médios durante o ano, 80 MW médios a menos do que a energia firme das primeiras hidrelétricas da bacia hidrográfica do Tapajós.
O porte dos novos projetos e os impactos sobre a floresta amazônica e comunidades indígenas leva a crer que a batalha pela sua aprovação será semelhante à de Belo Monte, que envolveu até celebridades internacionais, como o cineasta James Cameron, diretor do filme Avatar — que esteve em Altamira, no Pará, para protestar contra a obra. “Obviamente, o governo terá que travar uma batalha jurídica e contra ONGs internacionais”, diz Nivalde de Castro, do Grupo de Estudos de Energia Elétrica do Instituto de Economia da UFRJ (Gesel).
A própria Avaliação Ambiental Integrada é um passo no sentido de tentar vencer resistências ao projeto. O trabalho não é previsto em lei, mas sua ausência tem sido usada como argumento para ações do Ministério Público para embargar projetos hidrelétricos no país. O documento divulgado na última sexta-feira aponta, como principais impactos, alterações ecológicas, bióticas e pesqueiras, fragilidade na conservação florestal pelo incremente da atividade econômica, remoção de residências em áreas que serão alagadas e indução a conflitos étnicos em territórios indígenas Munduruku — este último, um dos pontos mais sensíveis na discussão sobre as obras na Amazônia.
Segunda-feira, representantes do Grupo de Estudos Tapajós — formado por Eletrobras, Eletronorte, GDF SUEZ, Cemig, Copel, Neoenergia, EDF, Endesa Brasil e Camargo Corrêa —, da Secretaria Geral da Presidência da República e da Fundação Nacional do Índio (Funai) estiveram na aldeia Praia do Mangue, em Jacareacanga, para negociar cronogramas. “Eles queriam saber como queremos que sejam feitas as consultas prévias aos povos indígenas, que são exigidas pela convenção 169 (da Organização Internacional do Trabalho)”, conta Waldelírio Manhuary, uma das lideranças da etnia munduruku, que tem uma população de cerca de 12 mil pessoas na região do Tapajós.

No ano passado, os mundukuru da região do Tapajós foram a Altamira protestar contra o aproveitamento hidrelétrico dos rios da Amazônia. O grupo passou oito dias ocupando o canteiro de obras de Belo Monte. Agora, Manhuary diz que vai consultar o Ministério Público para definir uma estratégia de ação nas discussões sobre as hidrelétricas da Bacia do Tapajós. “Com certeza a construção das usinas vai afetar aldeias”, diz.
“A questão indígena é o principal desafio para a construção das usinas”, comenta Adriana Coli Pedreira, advogada especialista em energia do escritório Siqueira Castro e membro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico. “E percebemos que o governo quer fazer diferente de Belo Monte, com o estabelecimento de um diálogo prévio com as partes afetadas, para que se sintam parte do processo”, completa. O consórcio responsável pelos estudos trabalha agora para finalizar o Estudo de Impacto Ambiental, que vai nortear o processo de licenciamento. Pelo modelo do setor elétrico, uma usina só pode ir a leilão se tiver a licença prévia.
A Bacia do Tapajós é considerada fundamental, por especialistas, para garantir o crescimento do parque gerador brasileiro. A maior parte dos projetos, porém, está em áreas virgens, ainda sem presença do homem. Para vencer resistências, a Eletrobras chegou a desenvolver um projeto de usina-plataforma, sem ligação rodoviária com cidades para evitar o desmatamento das margens das estradas. Segundo a proposta, os trabalhadores seguiriam o esquema de rodízio utilizado nas plataformas de petróleo em alto mar, com turnos de duas semanas contínuas de trabalho. Mesmo assim, organizações ambientais se preocupam com o potencial impacto durante as obras.
“O setor elétrico vive um dilema: ou aproveitamos o potencial da Amazônia ou geramos termelétricas mais poluentes”, afirma Castro, reforçando avaliação repetida pela área energética do governo. “Vemos com bastante preocupação as ações de grupos contrários a hidrelétricas, que têm levado o Brasil a bater recordes de emissões para gerar energia”, conclui. A última fronteira já licitada foi a Bacia do Teles Pires, entre o Mato Grosso e o Pará, que é um dos afluentes do Tapajós.
A nova fronteira da Bacia do Tapajós inclui outro afluente, o Rio Jamanxim, e tem impactos mais presentes nos municípios de Itaituba, Trairão e Jacareacanga, segundo a Avaliação Ambiental Integrada. Na região, há sete terras indígenas delimitadas e quatro em estudo, além de 24 unidades de conservação. O estudo identificou ainda uma série de questões fundiárias, relativas a atividades econômicas em terras não regularizadas, e extração mineral. Apenas para as duas primeiras usinas, está prevista uma área alagada de 552 quilômetros quadrados, o equivalente à área alagada de Belo Monte.
Fonte: IG


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