segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Justiça obriga União a prestar atendimento à saúde indígena no Pará

Liminar determina que integrantes de 13 povos do oeste do Estado tenham acesso à saúde independentemente da demarcação de terras ou da localização das moradias

A Justiça Federal determinou que a União adote com urgência medidas básicas para o atendimento à saúde de 13 povos indígenas de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos, no oeste do Pará. O atendimento aos índios estava sendo negado sob as alegações de que as terras desses povos ainda não estão demarcadas ou porque há índios que não moram nas aldeias, mas o Ministério Público Federal (MPF) defendeu e a Justiça acatou a tese de que esses critérios são ilegais.



A decisão foi anunciada no site da Justiça no último dia 25, e o MPF teve acesso à íntegra do documento na última quinta-feira, dia 28. O juiz federal Victor de Carvalho Saboya Albuquerque estabeleceu prazo de 90 dias para que a União cadastre os indígenas no banco de dados do sistema diferenciado de saúde, distribua os cartões para acesso aos serviços e organize e passe a manter equipes de atendimento às comunidades.


As etnias com direitos garantidos pela decisão são: Borari, Munduruku, Munduruku Cara-Preta, Jaraqui, Arapiun, Tupinambá, Tupaiu, Tapajó, Tapuia, Arara Vermelha, Apiaká, Maitapu e Cumaruara. Desde 2001 quase 6 mil indígenas desses povos reivindicavam à União a atenção diferenciada à saúde, sem resposta.


A determinação liminar (urgente) também estabelece que, dentro de 48 horas, a Casa de Saúde Indígena (Casai) de Santarém deve passar a atender qualquer indígena que esteja morando na zona urbana do município, provisória ou definitivamente. O atendimento deve ser feito a indígenas das 13 etnias citadas na ação e a integrantes de quaisquer outras etnias.


Em caso de descumprimento da liminar, a multa é de R$ 10 mil por dia. Os prazos passaram a contar a partir do dia 25, quando a Advocacia-Geral da União (AGU) tomou oficialmente conhecimento da decisão.


Direitos ignorados – Na ação, o procurador da República Camões Boaventura defendeu que não se pode atrelar o acesso à saúde indígena à conclusão de procedimentos demarcatórios, sob pena de a omissão e morosidade do Estado na demarcação de terras gerar outra omissão, que é a falta de atendimento à saúde.


"Também não é imprescindível, para ser indígena, que suas terras sejam demarcadas. O que define o indígena é seu autorreconhecimento como tal e sua ligação aos costumes, crenças e tradições", registrou a ação com base na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2002.


Em relação aos índios que vivem fora das aldeias (chamados de não aldeados), o MPF destacou na ação que a portaria do Ministério da Saúde nº 1.163/99 é categórica: "a recusa de quaisquer instituições, públicas ou privadas, ligadas aos SUS [Sistema Único de Saúde], em prestar assistência aos índios configura ato ilícito, passível de punição pelos órgãos competentes".


Má aplicação de políticas - "Em suma, a questão versa sobre o efetivo cumprimento de normas legais e infralegais que instrumentalizam políticas públicas já criadas e em funcionamento, porém indevidamente aplicadas", assinala o juiz federal Victor de Carvalho Saboya Albuquerque na decisão.

Sobre a vinculação do atendimento à saúde à finalização de processos de demarcação de terras, Albuquerque registra que a ausência de reconhecimento do direito fundiário não deve prejudicar o acesso a outros direitos já assegurados à população indígena.

"Não se pode olvidar [esquecer] que a demarcação de terras é ato meramente declaratório, que reconhece situação fática já existente. Se não detém caráter constitutivo não influi na identificação do índio como tal e nem na obtenção de direitos outros já assegurados", observa o juiz.

Sobre o não atendimento, pela Casai de Santarém, a índios não aldeados, Albuquerque enfatiza que a Convenção 169 da OIT deve ser respeitada. "Assim, a inscrição de indígenas no Siasi [Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena] deve se pautar pela aplicação do critério do autorreconhecimento."

Em relação ao não atendimento, também pela Casai de Santarém, a índios de áreas fora do município, a liminar registra que a divisão territorial do subsistema de atenção à saúde indígena serve apenas para orientar a organização e gestão administrativas do serviço público, e não à vinculação de atendimento de determinada Casai apenas à população indígena residente no município em que esteja localizada. "À Casai compete o apoio à população indígena, desimportando a localização geográfica da comunidade à qual pertence o usuário atendido."

Para o procurador da República Camões Boaventura, a maior virtude dessa decisão é que ela surge em um momento de intensos ataques aos direitos indígenas em todo o país e em uma circunstância em que o denominado processo de etnogênese é visto, equivocadamente, como um fenômeno de criação de "falsos" índios. "Não podemos esquecer da famosa sentença judicial do final do ano de 2014 relativa à Terra Indígena Maró, também em Santarém, que, em um preocupante desapego aos postulados antropológicos mais básicos, afirmou que não havia índios na região do baixo Tapajós, declarando inexistentes etnias e determinando a anulação do processo administrativo de demarcação perante a Funai. Coincidentemente, na semana passada, conseguimos anular essa sentença [mais detalhes em http://goo.gl/5ltVfc], o que representa, portanto, duas significativas vitórias recentes que reparam um erro histórico e extremamente opressor, oriundo tanto da sociedade quanto das autoridades constituídas", ressalta o representante do MPF.

Fonte: Assessoria de Comunicação
Ministério Público

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