quarta-feira, 25 de março de 2015

FAT: Enfoques metodológicos na investigação cientifica

ENFOQUES METODOLÓGICOS NA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

 CLÁUDIO LUDGERO MONTEIRO PEREIRA

Há vários anos na experiência docente, lidando com alunos dos últimos anos , tive a atenção despertada, para o momento de opção pela abordagem a ser seguida a partir do estágio supervisionado e posteriormente na vida profissional. Quais interesses norteiam estas opções? Quais interesses nos direcionam, pela própria opção de curso, ou ciência a seguir? Podemos nos perguntar também, porque selecionamos uma ciência em vez de outra? Porque queremos ser um físico em vez de psicólogo, ou inversamente?Porque decidimos por sociologia em vez de biologia?

Os depoimentos que cotidianamente ouvimos, relatam experiências de vida, cujos motivos foram os mais diversos na opção por determinado enfoque; a necessidade material que vislumbra ser mais rendosa financeiramente, a influência de um supervisor que lhe parece ser uma “boa pessoa”, a relação afetiva com os colegas de estudo, o status de determinada ciência, o preco0nceito sobre determinada linha de atuação. Seguramente, poderíamos enumerar inúmeras razões que, determinam as opções pessoais por cursos ou conhecimentos de graduação, para o futuro exercício profissional. Com certeza, muitas destas decisões incluem um caminho mais intuitivo do que científico, algumas até conscientes, em outras, envolvendo aspectos e motivações não-conscientes.

Sem dúvida, muitas vezes de forma absolutamente não-científica, certos tipos de ciências são valorizadas mais do que outras, conforme o status adquirido.É de fato verdadeira, a afirmativa de que as ciências naturais, tem mais status que as ciências sociais e humanas. Muitos professores das chamadas ciências humanas, consideram importante que em seu departamento também usem bata branca, como o professor se física, o de química, ou de bio - médica, por exemplo, para assim, sentirem-se mais cientistas, com bem diz Vasco (1990).

Decididamente, não somente em uma perspectiva intuitiva, observamos o entrelaçamento das influências entre conhecimento e interesses, a ciência está mais do que nunca, declaradamente comprometida com este ou aquele grupo de interesses, seja em um plano micro, como nas relações de poder nas universidades, nos centros de cursos, nos departamentos e até nas salas de aula, como no plano macro, que envolve grandes potências nacionais e internacionais, que se degladiam por fatias do mercado mais rendosas e lucrativas.
Todos esses interesses econômicos, afetivos, éticos e de status, permeiam implícita ou explicitamente, motivações conscientes ou não, produto de uma formação e opção político-ideológica do indivíduo - cientista, estando diretamente ligada a sua opção pelo enfoque do fazer científico.

Este estudo pretende de forma sucinta, expor e refletir acerca dos enfoques e interesses respectivos que orientam a investigação científica no com texto das ciências humanas e sociais. Levando em conta as contribuições de Habermas (1983) “Conhecimento e interesses”, Vasco (1990) “Três estilos de trabajo em las ciências sociales” e de Gamboa (1987), “El analisis de las tesis del postgrado em educación”, entendo que as atitudes, posturas e compromissos do cientista, durante o processo de produção de conhecimento, implicam em uma ação interdependente de fatores sociais, políticos e ideológicos, não sendo neutra, nem livre de valores. O problema a ser investigado cientificamente, quando voltado para o fator humano, está carregado de concepções filosóficas de homem, sociedade e de visões de mundo (ontologia), que o transformam em um campo interminável de controvérsias e que exige por parte dos profissionais, uma atitude tanto científica como comprometida.

Os enfoques e níveis de opções técnicas, metodológicas, teóricas e epistemológicas, de acordo com o esquema paradigmático (conjunto de conceitos fundamentais que, num dado momento, determinam o caráter da descoberta científica) elaborado por Gamboa (1987), muitas vezes inconscientemente utilizadas, convergem naturalmente, para as implicações relacionadas às opções pessoais e profissionais aos pressupostos filosóficos que expressam a visão de mundo do investigador, que emerge e se mostra, durante o processo de construção de conhecimentos.






CONCEPÇÃO DE HOMEM E VISÃO DE MUNDO
ONTOLOGIA


  • NÍVEL TÉCNICO METODOLÓGICO - Instrumentos e técnicas de seleção, organização e tratamento de dados e informações. Passos , procedimentos, maneiras de abordar o objeto.
  • NÍVEL TEÓRICO – Fenômenos privilegiados, núcleo conceitual básico, autores preferidos, críticas a outras teorias.
  • NÍVEL EPISTEMOLÓGICO – Concepções de causalidade e de ciência, critérios de validação dos requisitos para a prova científica.
  • NÍVEL GNOSIOLÓGICO – Maneiras de abstrair, generalizar, conceituar, classificar, formalizar, a relação entre sujeito e objeto.


Um estudo, acerca destes interesses e opções na instrumentalização do fazer científico, baseado nas produções dos autores citados acima, pode nos ajudar a clarificar as especificidades destes enfoques junto as nossas motivações pessoais e ideológicas.

Segundo Habermas (1990), podemos identificar três enfoques básicos na natureza da produção e investigação do conhecimento científico. O empírico- analítico, o fenomenológico-hermenêutico e o crítico-dialético, que correspondem aos três tipos de interesses humanos, que orientam a produção do conhecimento científico, respectivamente, o de controle técnico, o de consenso ideológico e o crítico emancipador. Esta proposição, se fundamenta no pensamento que, não se pode separar estas três dimensões fundamentais da vida humana, ou seja, o trabalho, a linguagem e o poder, e muito menos, a relação intrínseca existente entre “conhecimento e interesse”. Vejamos cada enfoque de acordo com os níveis de interesses, critérios paradigmáticos e suas dimensões de aplicabilidade no âmbito específico das ciências humanas e sociais.

Nível técnico metodológico

Verifica-se nesse nível os instrumentos e os passos em que são tomados e sistematizados os dados e as informações, assim como, a maneira como são enfocados os processos de conhecimento. Veremos a seguir, as características de cada enfoque de conhecimento.

O enfoque empírico -analítico refere-se as tendências científicas, que apresentam em comum, o interesse pela “predição e controle”, “empírico”, no sentido de sua intermediação direta com o mundo empírico, com o mundo sensível, com o mundo observável e analítico, no sentido que sua maneira de funcionar é predominantemente voltada a dividir os sistemas com que trabalha, para que, ao desmontá-los, apareça alguma maneira de pré-dizê-los, controlá-los e validá-los, seja por relações causais internas ou externas. Na utilização de técnicas de coleta de dados, o tratamento e a análise dos dados neste enfoque, são marcadamente quantitativos, com uso acentuado de medidas e procedimentos estatísticos. Os dados, são coletados através de testes padronizados e questionários fechados, são codificados em categorias numéricas, que permitem a descrição dos sujeitos através de um perfil, um gráfico,uma tabela, etc.

O enfoque fenomenológico-hermenêutico é essencialmente a reconstrução da realidade a partir de um determinado contexto. Sua finalidade é compreender a prática atual dos grupos e pessoas dentro da história, sendo esta contextualização a partir de seu significado e momento atual ou imediato e na conscientização dos fenômenos. O sentido de hermenêutico, é o mesmo de interpretar a situação, o hermeneuta em grego quer dizer o interprete, o tradutor. A hermenêutica surgiu inicialmente no intuito de reconstruir os momentos nos quais surgiram os diversos livros do Antigo e Novo Testamento passando depois a tratar de outros eixos de interpretação, privilegiando a recaptura do todo-com-sentido . Utilizam técnicas não quantitativas, como entrevistas, depoimentos, vivências, narrações, técnicas bibliográficas, histórias de vida, análise do discurso, etc.

O enfoque crítico-dialético é o estilo do fazer científico correspondente a produção de disciplinas chamadas críticas ou crítico sociais. Tem a pretensão essencial de buscar através de um fazer ciência engajado político e ideologicamente, reflexão e ação para a libertação e emancipação das classes oprimidas. Tem um interesse além do meramente especulativo, da descrição, do explicar e compreender, a fim de proporcionar as armas teóricas, para romper com determinadas estruturas de poder vinculadas nas interações sociais, desenvolvendo a crítica e alimentando a práxis que transforma o real e libera o sujeito de seus diferentes condicionamentos. Além das técnicas anteriores, como entrevistas abertas, histórias de vida, narrações e vivências, este enfoque utiliza a pesquisa ação e a pesquisa participante no desenvolvimento de sua metodologia de investigação.

Nível teórico

Compõe o núcleo conceitual básico de cada enfoque científico, neste nível, verifica-se os referenciais explicativos e compreensivos dos fenômenos tratados, a formulação de comparações e críticas a outras teorias, autores que são mais destacados e o tipo de interesse relacionado ao conhecimento produzido. De acordo com este nível, reportemos-nos a cada enfoque científico novamente.

O enfoque empírico-analítico: devido ter sua origem e desenvolvimento mais significativo nas ciências naturais e exatas, privilegia autores clássicos, do positivismo e da ciência analítica. O tratamento dos temas obedece à definição de variáveis, sejam estas independentes, dependentes, de contexto, de entrada, de processo, de controle, de saída, ou definidas como facetas, funções ou papéis. Sua fundamentação  teórica na maioria das vezes, aparece na forma de revisões bibliográficas sobre o tema tratado, de apresentação sucinta de resultados de outras pesquisas na área, ou como elementos que ajudam a formular os construtos utilizados na definição operacional dos termos e na especificação das variáveis manipuladas nas situações experimentais. Os enfoques que não utilizam esta metodologia rigorosa não podem ser considerados ciência e sim métodos especulativos. Na psicologia experimental, originária do positivismo norte-americano, encontramos as raízes deste enfoque e sua difusão para as demais áreas das ciências humanas.

O enfoque fenomenológico-hermenêutico: enfoque mais utilizado nas ciências humanas e sociais, concebe o real como fenômeno “contextualizado” e se preocupa com a capacidade humana de produzir símbolos para comunicar significados. Por isso, trata-se de um processo de conhecimento que se realiza por meio de métodos interpretativos. A verdade não está na objetividade, na fidelidade ao objeto, a verdade é o resultado do consenso intersubjetivo dos membros do grupo onde o fenômeno se revela e se manifesta. Há um caráter relativo de verdade, enquanto é verdade para este grupo, assim como, também há uma relatividade em função do momento, um contexto e cenário histórico específico, por isso, este enfoque também se chama historicista ou histórico-hermenêutico. Caracteriza-se pela produção de estudos teóricos e a análise de documentos e textos. Denuncia ideologias subjacentes. Encontramos neste enfoque teorias psicológicas chamadas egóicas ou teorias do EU. Como a psicanálise, gestalterapia, abordagem rogeriana, terapias de cunho existencial-fenomenológico.

O enfoque crítico-dialético utiliza técnicas historiográfica dentro do referencial materialista dialético, no qual a ciência é entendida como um produto social histórico em evolução, inserida e determinada pelos interesses e conflitos da sociedade em que se produz. Seus objetos de estudo, em geral, enfocam temas como a relação educação-sociedade, as contradições da escola capitalista, a prática libertadora, história das tendências educativas-pedagógica. Considera, as demais formas, ou enfoques científicos, como alienados ou alienantes, por não enfatizarem o aspecto conflitivo das estruturas sociais, não são desta forma, enfoques com formulações críticas da realidade, não visam também o saber, enquanto transformação social. Neste enfoque encontramos autores voltados para uma visão marxista de ciência e de mundo.





Nível epistemológico

Observa-se particularmente neste nível, a estruturação de causalidade, de ciência e os critérios de validação como requisitos de prova científica. Vejamos estas características, nos três enfoques paradigmáticos básicos.

No enfoque empírico-analítico, algumas pesquisas defendem a necessidade de diferenciar a pesquisa da crítica. A pesquisa é tida como um processo técnico de descrição e explicação de fenômenos. E a crítica como uma postura que inclui valores, apreciações subjetivas ou propostas ideológicas e políticas. A relação causal possibilita o controle dos dados empíricos, através de análises estatísticas e teóricas. O critério de cientificidade está na validação dos instrumentos de coleta de dados e no trato estatístico.

No enfoque fenomenológico-hermenêutico explicitam-se críticas às abordagens fundadas no experimentalismo, nos métodos quantitativos e nas propostas tecnicistas, pois deslocam o eixo fundamental e negam a participação essencial da subjetividade humana e o conhecimento enquanto verdade a partir de cada subjetividade de cada momento ou contexto. Para o centralismo do objeto, não é o cientista quem dá significados ao que estuda.  Inversamente, pode-se dizer que o significado do objeto existe, somente a partir da existência humana, da consciência e de sua forma de perceber e dar significados ao mundo, pode-se acrescer também que, além de uma subjetividade, é fundamental a inter-subjetividade. Não se invalida a quantificação, mas esta é apenas um aspecto da totalidade humana, do todo-com-sentido. A pesquisa não deve ter caráter acabado, pois o conhecimento, assim como o próprio homem, é um devir a ser.

No enfoque crítico-dialético, questiona-se fundamentalmente as visões estáticas da realidade, implícita nas abordagens anteriores, porque estas visões escondem o caráter conflitivo, dinâmico e histórico da realidade. A pesquisa deve manifestar, além da crítica, um interesse transformador das situações ou fenômenos estudados, resgatando com a investigação, sua dimensão sempre histórica e materialista de causalidade, desvendando suas contradições e conflitos de poder.

Nível gnosiológico

Estrutura-se a maneira de abstrair, generalizar, conceituar, classificar, formalizar, ou em termos gerais, como cada enfoque científico investiga e concebe o seu objeto de estudo e a forma de relacioná-lo ao sujeito no processo de conhecimento. De acordo com os três enfoques básicos de investigação científica, veremos o nível gnosiológico, da seguinte forma.

No enfoque empírico-analítico, predomina a objetividade, a pesquisa centrada no objeto. Portanto este deve ser descrito de maneira rigorosa e fidedigna. A observação deve ser o máximo controlada e impessoal, despida de concepções subjetivas. No enfoque fenomenológico-hermenêutico, a subjetividade é que predomina na investigação científica, a pesquisa é aberta, sem maiores rigores de controle, sempre inacabada e pessoal, centrada no sujeito. No enfoque crítico-dialético, busca-se a concreticidade, a relação recíproca, dinâmica e conflitiva entre sujeito e objeto. A pesquisa centrada no processo e intermediações sociais e históricas.

Nível ontológico
Verifica-se o desenvolvimento da concepção de homem, de sociedade, de história e da realidade, quer dizer, a cosmovisão que articula o processo de conhecimento. Utilizemos neste estudo, três dimensões essenciais, para o estudo da cosmovisão, ou seja, a dimensão do homem, da educação e da história, de acordo com a abordagem de cada enfoque paradigmático de investigação.

Para o enfoque empírico-analítico, o homem é definido pelas concepções mecanicistas e funcionalistas. É um objeto de estudo, possível de ser controlado. A educação é entendida como treinamento, visa desenvolver habilidades e aptidões. A história, preocupação sincronia, isto, é, presentista, não revela os conflitos que antecedem o fenômeno.

Para o enfoque fenomenologico-hermenêutico, o homem, numa visão existencial, é visto como um ser inacabado, o homem em projeto, ser de relações, sujeito transcendente, que dá significado ao mundo e as coisas. A educação tem a finalidade de criar condições para que o homem consiga ser mais.A história está respaldada nos pressupostos diacrônicos, os quais evoluem historicamente.

E no enfoque crítico-dialético, o homem é visto enquanto ser social e histórico, determinado por contextos econômicos, políticos e culturais. A educação é uma prática fundamentalmente voltada à libertação e transformações sociais, é através dela que iniciamos o processo de humanização. A história tem uma perspectiva diacrônica, é considerada o eixo de todas as explicações e da compreensão científica, mediatizada pelas condições concretas de vida do homem.

Sem a pretensão de criar um ovo enfoque, ou uma nova maneira de abordar ciência, mas sim em ampliar e discutir a temática proposta inicialmente com reação à indissociabilidade entre conhecimentos e interesses, pode-se argumentar que há uma tendência nos meios científicos em fragmentar esta relação, separar os elementos componentes desta totalidade.

Entender nossos interesses, desvinculados dos elementos complexos que compõe nossa necessidade de controlar, de comunicar e de poder em sua contextualização dinâmica e histórica, nos leva a proceder, no sentido de desvincular esses elementos no trato científico das investigações e seus métodos de pesquisa. Como diz Gamboa (198, p.184) “nesse sentido, ignorá-los ou separá-los artificialmente, conduz a inconsciência dos procedimentos ou a falsa consciência que separa o conhecimento do interesse, situação esta que estamos chamados a superar”.

Nosso compromisso como agente, produtor de conhecimento, é essencialmente um ato de poder, que por sua vez, não acontece isolado, é indiscutivelmente social, envolvendo interesses econômicos, afetivos e éticos, demandando a construção,utilização e troca de códigos, símbolos e linguagens, tudo isto, envolto a um contexto histórico determinado.

Nossas ações enquanto profissionais de uma determinada profissão ou ciência, mesmo na rotina mecânica da execução de nossas tarefas diárias, estão envolvendo esta complexidade de relações. Mecanicamente, como bem ilustra o filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, executamos nossas tarefas e não tomamos consciência da amplitude e complexidade de aspectos que elas, “tarefas”, e nossas atitudes, “estão” envolvendo.


QUADRO SÍNTESE DOS ENFOQUES PARADIGMÁTICOS



Bibliografia
FREIRE – MAIA, Newton. A ciência por dentro. Petrópolis, Vozes, 1990.
SANCHES GAMBOA, Silvio, em El análisis de lãs tesis del postgrado em educación. PUC São Paulo,k1987.

VASCO U.,Carlos Eduardo. Três estilos de trabajo em lãs ciências sociales. Bogotá, Cinep,1990.

HABERMAS, J. Conhecimento e interesse in Textos Escolhidos – Os pensadores, São Paulo, Abril,1983.



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