Sem alarde, o governo está prestes a liberar o rio Tapajós,
uma das principais artérias da Amazônia, à construção de um complexo de
hidrelétricas. A polêmica Medida Provisória 558, de 6 de janeiro, abriu o
espaço para a execução do antigo plano de erguer cinco usinas no rio. Com a MP,
foram alterados limites de sete unidades de conservação, excluindo áreas que
serão alagadas pelos reservatórios das usinas. Boa parte da redução da proteção
legal dessas florestas visa desobstruir o caminho para o licenciamento
ambiental das duas primeiras hidrelétricas previstas para a Bacia do Tapajós:
São Luiz do Tapajós e Jatobá.
O Valor apurou que,
desde fevereiro, a Eletrobras entregou ao Ibama uma série de pedidos de
autorização para coletar os dados que vão basear o estudo de impacto ambiental
da usina São Luiz, a maior delas, prioritária para o governo.
O rio Tapajós, artéria principal de uma Amazônia ainda virgem,
está no limiar de ter as suas águas liberadas para a construção de um complexo
de hidrelétricas. O antigo plano de erguer cinco usinas ao longo desse rio que
nasce no Mato Grosso e avança pelo Pará, até encontrar o Amazonas, começou a
sair do papel silenciosamente, processo que foi detonado por uma polêmica
Medida Provisória editada no dia 6 de janeiro pela presidente Dilma Rousseff.
Com a MP 558/2012, o governo alterou os limites de sete unidades de
conservação da Amazônia e retirou delas a área que será alagada pelos
reservatórios das usinas. Boa parte da redução dessas florestas protegidas por
lei tem o propósito específico de desobstruir o caminho para o licenciamento
ambiental das duas primeiras hidrelétricas previstas para a Bacia do Tapajós:
São Luiz do Tapajós e Jatobá. Para a primeira delas, o resultado da
ação governo foi imediato.
O Valor apurou que, de fevereiro para cá, a Eletrobras entregou ao
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) uma série de pedidos de autorização para coletar os dados que vão
basear o estudo de impacto ambiental da usina São Luiz do Tapajós, maior
empreendimento do complexo e prioridade máxima do governo.
O Ibama já aprovou os pedidos. Em fevereiro, o órgão ambiental
liberou o "plano de trabalho" da hidrelétrica e autorizou a
Eletrobras a abrir uma "picada" de um metro de largura em uma
extensão de 33,5 quilômetros de mata. No mês passado, foi dado sinal verde para
que a estatal faça a captura, coleta e transporte de animais e plantas para
concluir seus estudos, o que deve ocorrer até o fim deste ano.
Ambição alimentada há cerca de uma década pelo governo
federal, a hidrelétrica de São Luiz tem uma potência estimada em 6.133
megawatts (MW), praticamente duas vezes a potência da usina de Santo Antônio,
que está em fase de conclusão em Porto Velho (RO). Só o comprimento de sua
barragem alcança 3.483 metros de uma ponta a outra.
O governo defende a tese de que o empreendimento terá um
impacto ambiental extremamente reduzido. A previsão, no entanto, é de que a
área total do reservatório de São Luiz do Tapajós atinja 722,2 km2, um área
muito superior, por exemplo, aos 510 km2 do lago que será formado pela usina de
Belo Monte, em construção no rio Xingu, no Pará. Pesa ainda o fato de que Belo
Monte está sendo construída em uma área em que parte da mata já foi utilizada
para pasto, além de estar próxima de cidades como Vitória do Xingu e Altamira.
No caso de São Luiz do Tapajós, trata-se de construção em uma mata intacta,
rodeada apenas por famílias de ribeirinhos e aldeias indígenas.
Segundo o Ministério Público Federal no Pará, o complexo das cinco
usinas da Bacia do Tapajós deverá inundar cerca de 2 mil km2 de mata, quase
duas vezes a extensão da cidade do Rio de Janeiro. "Do ponto de vista
ambiental, não há dúvidas de que o estrago ambiental de São Luiz e do complexo
do Tapajós é ainda superior ao que será causado por Belo Monte", diz
Felício Pontes Júnior, procurador da República no Pará.
O instituto de pesquisas Imazon aponta que todas as áreas
excluídas das unidades de conservação pelo governo estão no mapa das
regiões prioritárias para a conservação da biodiversidade. Cerca de 80% delas
são classificadas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) como de prioridade
"extremamente alta".
O governo justifica que o projeto é absolutamente
imprescindível para garantir a oferta de energia do país e que fará um projeto
hidrelétrico revolucionário no coração da Amazônia. A operação para a
construção da usina de São Luiz do Tapajós, sustenta Altino Ventura Filho,
secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério
de Minas e Energia (MME), vai se basear no modelo inédito de "usina
plataforma", inspirado nas plataformas de petróleo que ficam isoladas nos
oceanos.
Para construir São Luiz, tudo terá que ser transportado exclusivamente
por meio do rio ou por via aérea. Está previsto a construção de um heliporto e,
possivelmente, de uma pequena pista de pouso para aviões. Dessa forma, não
haverá abertura de estradas para transportar trabalhadores, máquinas ou
materiais. Os canteiros de obra serão abertos na margem do rio, mas ficarão
absolutamente isolados e não poderão se expandir, como costuma ocorrer com esse
tipo de empreendimento. "Se seguíssemos a mesma linha das outras usinas,
abriríamos uma estrada para chegar até lá e montaríamos uma vila operária que
levaria a um processo de urbanização", diz Altino. "Isso não
ocorrerá. Não haverá estradas de acesso, o local não se transformará em objeto
de desenvolvimento. Passada a fase da construção, essa estrutura será
completamente desativada e tudo será reflorestado, só restando ali poucos
funcionários para manutenção e fiscalização da usina."
O plano do governo é que, uma vez concluída, a hidrelétrica
de São Luiz seja incorporada a um parque nacional. "Não vamos fazer a
usina de forma atropelada. Os responsáveis pela obra ficarão, inclusive, com a
responsabilidade de preservar aquela região, protegendo de possíveis invasões e
desmatamentos", argumenta Altino.
O leilão de hidrelétricas está condicionado à emissão de licença
ambiental prévia pelo Ibama. Conforme o cronograma a que o Valor teve acesso, a
Eletrobras pretende concluir o seu relatório de impacto ambiental em janeiro de
2013. O plano do governo é que o
Ibama aprove o estudo já em fevereiro para que, no mês seguinte, o estudo de
viabilidade técnica e econômica (EVTE) da usina São Luiz passe pelo crivo do
Tribunal de Contas da União (TCU). A meta é que as audiências públicas
feitas pelo Ibama ocorram em abril do ano que vem, com emissão da licença
prévia prevista para junho. Entre junho e
o fim de 2013, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realiza o leilão
da primeira hidrelétrica do rio Tapajós.
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