A conclusão é, portanto, que sim, o autor do blog é, inevitavelmente, responsável pelo dano causado por comentários de terceiros (identificados ou não), considerando o cenário jurídico atual.
Blogs evolucionaram a forma como a informação é criada e publicada.
Antes da massificação da internet, a transmissão de informação se dava de forma profissional. Era criada por repórteres, selecionada por editores e apenas então impressa ou transmitida. Por conta desse reduzido número de atores, o conteúdo dessa informação acabava restrito aos grandes temas, de forma limitada.
Após o surgimento e massificação dos blogs, esse panorama mudou sensivelmente. Agora a informação é transmitida não apenas de forma profissional (que segue existindo e possui valor inestimável), mas também de forma pessoal. Com os weblogs, ou simplesmente “blogs”, qualquer um assume o papel de repórter e editor, divulgando a informação de forma imediata e barata. Por decorrência lógica, a multiplicação do número de atores resultou na multiplicação de temáticas abordadas, que hoje são extremamente específicas e virtualmente ilimitadas.
Mais que isso, os blogs se revelaram uma ferramenta fantástica de se tratar a informação, transformá-la de uma via unidirecional para uma via bidirecional. A possibilidade de o leitor de um blog comentar em cada artigo (ou post), e ter esse comentário visível a todos os demais leitores permitiu um aprofundamento das discussões, às vezes para além do que o próprio autor do artigo imaginou.
Por conta desses diferenciais, os blogs cada vez mais ganham relevo no nosso dia-a-dia, sendo fonte relevante de informações.
Entretanto, essa abertura quase anárquica dos blogs trazem consigo repercussões jurídicas que apenas agora pipocam nos tribunais (liberdade de expressão, anonimato, responsabilidade, aplicabilidade da lei de imprensa, direitos autorais, etc).
Destas, pinço a questão da responsabilidade civil por danos morais causados através de comentários em blogs.
A pergunta básica é a seguinte: o dono do blog responde por comentários feitos por terceiros (identificados ou não)?
Antes de responder esse questionamento, me parece bom definir aqui o que são comentários e que tipo de controle o blogueiro possui sobre eles.
II – Blogs e comentários
Comentários são intervenções feitas em um post por terceiros. A depender da plataforma (programa) em que é feito o blog, comentários podem ser identificados ou anônimos, e possuir as seguintes formas de moderação pelo blogueiro:
• Comentários bloqueados;
• Comentários acessíveis a usuários cadastrados;
• Comentários moderados ex ante;
• 1º comentário do usuários (nome/e-mail) moderado ex ante, demais moderados ex post;
• Comentários moderados ex post.
O essencial é ver, nesse quadro, que o editor do blog sempre tem alguma forma de controle sobre a publicação dos comentários.
Com base nessas premissas, volto a indagar se o editor do blog poderia ser responsabilizado pelo dano causado por um comentarista qualquer.
III- Responsabilidade civil do blogueiro por comentários de terceiros
Fundamento legal para a responsabilização existe.
Além da regra geral do artigo 927 do Código Civil (aquele que por ato ilícito causar dano deve repará-lo), o direito brasileiro adota a teoria da responsabilidade objetiva pelo risco da atividade, posta no parágrafo único do citado artigo:
Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Oras, manter um espaço no qual terceiros possam se manifestar traz consigo o risco de essas manifestações causarem algum dano, razão pela qual podemos afirmar que o risco é inerente ao fato de manter um blog. Logo, aplica-se o parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que institui a responsabilidade objetiva – independente de culpa.
Pesquisando no portal do STJ, não descobri nenhum julgado sobre o tema. Da mesma forma, a maioria dos tribunais de justiça ainda não analisou a questão.
Os poucos precedentes encontrados advêm dos TJs de São Paulo e do Rio Grande do Sul (os julgados 994.06.116162-8 -SP- e 71001948348 -RS- parecem os mais representativos), e, em sua maioria, seguem a linha da responsabilização do editor do blog, com fulcro no artigo acima citados (apesar de nos votos não existir menção expressa a eles).
Desses julgados, percebe-se, também, que costuma ser argumentado, nesses casos, que a identificação do autor do comentário (via IP) seria capaz de excluir a responsabilidade do autor do Blog.
Juridicamente, entretanto, essa argumentação não parece ser sólida o bastante para prosperar, na medida em que a identificação do autor do comentário é capaz de definir quem é o real autor do ilícito, mas o ilícito em si somente foi possível por meio do blog e, sendo este de responsabilidade do autor do blog, acaba sendo inevitável a incidência da cláusula de responsabilidade objetiva do parágrafo único do art. 927 do CPC.
Logo, teria, o ofendido, a possibilidade de buscar do autor do blog a reparação pelo ilícito, e este poderia, em outra ação, buscar a reparação do culpado pelo imbróglio.
A conclusão é, portanto, que sim, o autor do blog é, inevitavelmente, responsável pelo dano causado por comentários de terceiros (identificados ou não), considerando o cenário jurídico atual.
Nada obstante, a questão não para aí.
IV – Análise comportamental
Blogueiro também é gente, e é um princípio básico que o ser humano procura evitar riscos e maximizar ganhos. Especialmente, todo mundo odeia ser responsabilizado pelo ato de um terceiro.
Logo, consolidada essa conclusão (e frente ao atual arcabouço legal parece que isso será inevitável), é possível prever a conduta dos blogueiros.
Aqueles com blogs relativamente pequenos e, assim, com um baixo volume de comentários (como este que vos escreve) alterarão as configurações do blog para que todo comentário passe por uma moderação. Para estes, a solução é simples.
Entretanto, aqueles que são editores de blogs mais relevantes, com um histórico grande de artigos, uma visitação expressiva e, assim, um volume enorme de comentários não são capazes de fazer esse controle prévio de comentários.
A estes, duas saídas são as possíveis: contratar uma equipe de advogados para analisar cada comentário e decidir ser são potencialmente ofensivos, ou bloquear de forma absoluta os comentários.
Em qualquer destas, uma parte relevantíssima daquela mudança de paradigmas advinda dos blogs é perdida.
Com o bloqueio dos comentários, a interatividade e a possibilidade de aprofundamento das discussões (ou melhor, a própria natureza de “discussões” que a informação tem no âmbito dos blogs) são simplesmente suprimidas, os blogs viram nada mais que papel eletrônico, e todo o potencial dessa nova mídia vai para o espaço.
Isso é ruim e as pessoas mais ligadas à área percebem isso, razão pela qual o tema acabou sendo discutido no âmbito do marco civil da internet, o qual, em seu artigo 20, trouxe a seguinte previsão:
O provedor de serviço de internet somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após intimado para cumprir ordem judicial a respeito, não tomar as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.
Ou seja, a proposta de regulamentação dessas relações jurídicas institui uma verdadeira excludente de responsabilidade, baseada na supressão, mediante determinação judicial, do conteúdo ofensivo.
Caso isso venha a ser aprovado, a situação do blogueiro passará de responsabilização completa para responsabilidade nenhuma (na prática).
E isso também é ruim.
Vejam bem: já não é fácil para alguém que foi ofendido buscar reparação frente ao dono do blog (que às vezes até anônimo é).
O sistema que se pretende implantar, por sua vez, vai exigir daquele que quer buscar uma justa reparação uma ação judicial apenas para remover o conteúdo (e ações judiciais demoram), para somente então ajuizar outra para ir atrás do verdadeiro autor, se é que existirão informações que possam identificar este.
Além disso, essa sistemática é incrivelmente passível de corrupção, já que, caso o blogueiro queira falar algo, mas não tenha coragem de assumir, poderá escrever um post água-com-açúcar e colocar as ofensas nos comentários, de forma anônima (ou de computadores públicos, cada vez mais comuns).
Enfim, o Marco Civil, da forma que está estruturado com relação a essa temática, é capaz de criar uma situação de impunidade ampla, não desejável por qualquer sociedade.
V – Conclusão
Não me parece que exista alguma conclusão, além da necessidade de pensar melhor a questão.
A responsabilização do blogueiro como é feita hoje não é boa, e não é boa também a responsabilização como se está pensando no âmbito do marco civil da internet.
Como chegar a um equilíbrio é algo que ainda precisa ser melhor pensado e debatido.
O que vocês (todos os 3 ou 4 que chegaram ao final do texto) acham?
Sobre o autor:
Igor Rodrigues é gaúcho e atua como servidor público federal desde 2004, quando foi aprovado no concurso de técnico judiciário do TRF4. Em 2007 assumiu como Membro da AGU – Procurador Federal.
É formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no segundo semestre de 2005.
Fonte: Pensando Direito
Antes da massificação da internet, a transmissão de informação se dava de forma profissional. Era criada por repórteres, selecionada por editores e apenas então impressa ou transmitida. Por conta desse reduzido número de atores, o conteúdo dessa informação acabava restrito aos grandes temas, de forma limitada.
Após o surgimento e massificação dos blogs, esse panorama mudou sensivelmente. Agora a informação é transmitida não apenas de forma profissional (que segue existindo e possui valor inestimável), mas também de forma pessoal. Com os weblogs, ou simplesmente “blogs”, qualquer um assume o papel de repórter e editor, divulgando a informação de forma imediata e barata. Por decorrência lógica, a multiplicação do número de atores resultou na multiplicação de temáticas abordadas, que hoje são extremamente específicas e virtualmente ilimitadas.
Mais que isso, os blogs se revelaram uma ferramenta fantástica de se tratar a informação, transformá-la de uma via unidirecional para uma via bidirecional. A possibilidade de o leitor de um blog comentar em cada artigo (ou post), e ter esse comentário visível a todos os demais leitores permitiu um aprofundamento das discussões, às vezes para além do que o próprio autor do artigo imaginou.
Por conta desses diferenciais, os blogs cada vez mais ganham relevo no nosso dia-a-dia, sendo fonte relevante de informações.
Entretanto, essa abertura quase anárquica dos blogs trazem consigo repercussões jurídicas que apenas agora pipocam nos tribunais (liberdade de expressão, anonimato, responsabilidade, aplicabilidade da lei de imprensa, direitos autorais, etc).
Destas, pinço a questão da responsabilidade civil por danos morais causados através de comentários em blogs.
A pergunta básica é a seguinte: o dono do blog responde por comentários feitos por terceiros (identificados ou não)?
Antes de responder esse questionamento, me parece bom definir aqui o que são comentários e que tipo de controle o blogueiro possui sobre eles.
II – Blogs e comentários
Comentários são intervenções feitas em um post por terceiros. A depender da plataforma (programa) em que é feito o blog, comentários podem ser identificados ou anônimos, e possuir as seguintes formas de moderação pelo blogueiro:
• Comentários bloqueados;
• Comentários acessíveis a usuários cadastrados;
• Comentários moderados ex ante;
• 1º comentário do usuários (nome/e-mail) moderado ex ante, demais moderados ex post;
• Comentários moderados ex post.
O essencial é ver, nesse quadro, que o editor do blog sempre tem alguma forma de controle sobre a publicação dos comentários.
Com base nessas premissas, volto a indagar se o editor do blog poderia ser responsabilizado pelo dano causado por um comentarista qualquer.
III- Responsabilidade civil do blogueiro por comentários de terceiros
Fundamento legal para a responsabilização existe.
Além da regra geral do artigo 927 do Código Civil (aquele que por ato ilícito causar dano deve repará-lo), o direito brasileiro adota a teoria da responsabilidade objetiva pelo risco da atividade, posta no parágrafo único do citado artigo:
Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Oras, manter um espaço no qual terceiros possam se manifestar traz consigo o risco de essas manifestações causarem algum dano, razão pela qual podemos afirmar que o risco é inerente ao fato de manter um blog. Logo, aplica-se o parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que institui a responsabilidade objetiva – independente de culpa.
Pesquisando no portal do STJ, não descobri nenhum julgado sobre o tema. Da mesma forma, a maioria dos tribunais de justiça ainda não analisou a questão.
Os poucos precedentes encontrados advêm dos TJs de São Paulo e do Rio Grande do Sul (os julgados 994.06.116162-8 -SP- e 71001948348 -RS- parecem os mais representativos), e, em sua maioria, seguem a linha da responsabilização do editor do blog, com fulcro no artigo acima citados (apesar de nos votos não existir menção expressa a eles).
Desses julgados, percebe-se, também, que costuma ser argumentado, nesses casos, que a identificação do autor do comentário (via IP) seria capaz de excluir a responsabilidade do autor do Blog.
Juridicamente, entretanto, essa argumentação não parece ser sólida o bastante para prosperar, na medida em que a identificação do autor do comentário é capaz de definir quem é o real autor do ilícito, mas o ilícito em si somente foi possível por meio do blog e, sendo este de responsabilidade do autor do blog, acaba sendo inevitável a incidência da cláusula de responsabilidade objetiva do parágrafo único do art. 927 do CPC.
Logo, teria, o ofendido, a possibilidade de buscar do autor do blog a reparação pelo ilícito, e este poderia, em outra ação, buscar a reparação do culpado pelo imbróglio.
A conclusão é, portanto, que sim, o autor do blog é, inevitavelmente, responsável pelo dano causado por comentários de terceiros (identificados ou não), considerando o cenário jurídico atual.
Nada obstante, a questão não para aí.
IV – Análise comportamental
Blogueiro também é gente, e é um princípio básico que o ser humano procura evitar riscos e maximizar ganhos. Especialmente, todo mundo odeia ser responsabilizado pelo ato de um terceiro.
Logo, consolidada essa conclusão (e frente ao atual arcabouço legal parece que isso será inevitável), é possível prever a conduta dos blogueiros.
Aqueles com blogs relativamente pequenos e, assim, com um baixo volume de comentários (como este que vos escreve) alterarão as configurações do blog para que todo comentário passe por uma moderação. Para estes, a solução é simples.
Entretanto, aqueles que são editores de blogs mais relevantes, com um histórico grande de artigos, uma visitação expressiva e, assim, um volume enorme de comentários não são capazes de fazer esse controle prévio de comentários.
A estes, duas saídas são as possíveis: contratar uma equipe de advogados para analisar cada comentário e decidir ser são potencialmente ofensivos, ou bloquear de forma absoluta os comentários.
Em qualquer destas, uma parte relevantíssima daquela mudança de paradigmas advinda dos blogs é perdida.
Com o bloqueio dos comentários, a interatividade e a possibilidade de aprofundamento das discussões (ou melhor, a própria natureza de “discussões” que a informação tem no âmbito dos blogs) são simplesmente suprimidas, os blogs viram nada mais que papel eletrônico, e todo o potencial dessa nova mídia vai para o espaço.
Isso é ruim e as pessoas mais ligadas à área percebem isso, razão pela qual o tema acabou sendo discutido no âmbito do marco civil da internet, o qual, em seu artigo 20, trouxe a seguinte previsão:
O provedor de serviço de internet somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após intimado para cumprir ordem judicial a respeito, não tomar as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.
Ou seja, a proposta de regulamentação dessas relações jurídicas institui uma verdadeira excludente de responsabilidade, baseada na supressão, mediante determinação judicial, do conteúdo ofensivo.
Caso isso venha a ser aprovado, a situação do blogueiro passará de responsabilização completa para responsabilidade nenhuma (na prática).
E isso também é ruim.
Vejam bem: já não é fácil para alguém que foi ofendido buscar reparação frente ao dono do blog (que às vezes até anônimo é).
O sistema que se pretende implantar, por sua vez, vai exigir daquele que quer buscar uma justa reparação uma ação judicial apenas para remover o conteúdo (e ações judiciais demoram), para somente então ajuizar outra para ir atrás do verdadeiro autor, se é que existirão informações que possam identificar este.
Além disso, essa sistemática é incrivelmente passível de corrupção, já que, caso o blogueiro queira falar algo, mas não tenha coragem de assumir, poderá escrever um post água-com-açúcar e colocar as ofensas nos comentários, de forma anônima (ou de computadores públicos, cada vez mais comuns).
Enfim, o Marco Civil, da forma que está estruturado com relação a essa temática, é capaz de criar uma situação de impunidade ampla, não desejável por qualquer sociedade.
V – Conclusão
Não me parece que exista alguma conclusão, além da necessidade de pensar melhor a questão.
A responsabilização do blogueiro como é feita hoje não é boa, e não é boa também a responsabilização como se está pensando no âmbito do marco civil da internet.
Como chegar a um equilíbrio é algo que ainda precisa ser melhor pensado e debatido.
O que vocês (todos os 3 ou 4 que chegaram ao final do texto) acham?
Sobre o autor:
Igor Rodrigues é gaúcho e atua como servidor público federal desde 2004, quando foi aprovado no concurso de técnico judiciário do TRF4. Em 2007 assumiu como Membro da AGU – Procurador Federal.
É formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no segundo semestre de 2005.
Fonte: Pensando Direito
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