ENFOQUES
METODOLÓGICOS NA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA
CLÁUDIO LUDGERO MONTEIRO PEREIRA
Há
vários anos na experiência docente, lidando com alunos dos últimos anos , tive
a atenção despertada, para o momento de opção pela abordagem a ser seguida a
partir do estágio supervisionado e posteriormente na vida profissional. Quais
interesses norteiam estas opções? Quais interesses nos direcionam, pela própria
opção de curso, ou ciência a seguir? Podemos nos perguntar também, porque
selecionamos uma ciência em vez de outra? Porque queremos ser um físico em vez
de psicólogo, ou inversamente?Porque decidimos por sociologia em vez de
biologia?
Os
depoimentos que cotidianamente ouvimos, relatam experiências de vida, cujos
motivos foram os mais diversos na opção por determinado enfoque; a necessidade
material que vislumbra ser mais rendosa financeiramente, a influência de um
supervisor que lhe parece ser uma “boa pessoa”, a relação afetiva com os
colegas de estudo, o status de determinada ciência, o preco0nceito sobre
determinada linha de atuação. Seguramente, poderíamos enumerar inúmeras razões
que, determinam as opções pessoais por cursos ou conhecimentos de graduação,
para o futuro exercício profissional. Com certeza, muitas destas decisões
incluem um caminho mais intuitivo do que científico, algumas até conscientes,
em outras, envolvendo aspectos e motivações não-conscientes.
Sem
dúvida, muitas vezes de forma absolutamente não-científica, certos tipos de
ciências são valorizadas mais do que outras, conforme o status adquirido.É de
fato verdadeira, a afirmativa de que as ciências naturais, tem mais status que
as ciências sociais e humanas. Muitos professores das chamadas ciências
humanas, consideram importante que em seu departamento também usem bata branca,
como o professor se física, o de química, ou de bio - médica, por exemplo, para
assim, sentirem-se mais cientistas, com bem diz Vasco (1990).
Decididamente,
não somente em uma perspectiva intuitiva, observamos o entrelaçamento das
influências entre conhecimento e interesses, a ciência está mais do que nunca,
declaradamente comprometida com este ou aquele grupo de interesses, seja em um
plano micro, como nas relações de poder nas universidades, nos centros de
cursos, nos departamentos e até nas salas de aula, como no plano macro, que
envolve grandes potências nacionais e internacionais, que se degladiam por
fatias do mercado mais rendosas e lucrativas.
Todos
esses interesses econômicos, afetivos, éticos e de status, permeiam implícita
ou explicitamente, motivações conscientes ou não, produto de uma formação e
opção político-ideológica do indivíduo - cientista, estando diretamente ligada
a sua opção pelo enfoque do fazer científico.
Este
estudo pretende de forma sucinta, expor e refletir acerca dos enfoques e
interesses respectivos que orientam a investigação científica no com texto das
ciências humanas e sociais. Levando em conta as contribuições de Habermas
(1983) “Conhecimento e interesses”, Vasco (1990) “Três estilos de trabajo em
las ciências sociales” e de Gamboa (1987), “El analisis de las tesis del
postgrado em educación”, entendo que as atitudes, posturas e compromissos do
cientista, durante o processo de produção de conhecimento, implicam em uma ação
interdependente de fatores sociais, políticos e ideológicos, não sendo neutra,
nem livre de valores. O problema a ser investigado cientificamente, quando
voltado para o fator humano, está carregado de concepções filosóficas de homem,
sociedade e de visões de mundo (ontologia), que o transformam em um campo
interminável de controvérsias e que exige por parte dos profissionais, uma
atitude tanto científica como comprometida.
Os
enfoques e níveis de opções técnicas, metodológicas, teóricas e
epistemológicas, de acordo com o esquema paradigmático (conjunto de conceitos
fundamentais que, num dado momento, determinam o caráter da descoberta
científica) elaborado por Gamboa (1987), muitas vezes inconscientemente
utilizadas, convergem naturalmente, para as implicações relacionadas às opções
pessoais e profissionais aos pressupostos filosóficos que expressam a visão de
mundo do investigador, que emerge e se mostra, durante o processo de construção
de conhecimentos.
CONCEPÇÃO DE
HOMEM E VISÃO DE MUNDO
ONTOLOGIA
- NÍVEL TÉCNICO METODOLÓGICO - Instrumentos e
técnicas de seleção, organização e tratamento de dados e informações.
Passos , procedimentos, maneiras de abordar o objeto.
- NÍVEL TEÓRICO – Fenômenos privilegiados, núcleo conceitual
básico, autores preferidos, críticas a outras teorias.
- NÍVEL EPISTEMOLÓGICO – Concepções de causalidade
e de ciência, critérios de validação dos requisitos para a prova
científica.
- NÍVEL GNOSIOLÓGICO – Maneiras de abstrair,
generalizar, conceituar, classificar, formalizar, a relação entre sujeito
e objeto.
Um
estudo, acerca destes interesses e opções na instrumentalização do fazer
científico, baseado nas produções dos autores citados acima, pode nos ajudar a
clarificar as especificidades destes enfoques junto as nossas motivações
pessoais e ideológicas.
Segundo
Habermas (1990), podemos identificar três enfoques básicos na natureza da
produção e investigação do conhecimento científico. O empírico- analítico, o fenomenológico-hermenêutico
e o crítico-dialético, que
correspondem aos três tipos de interesses humanos, que orientam a produção do
conhecimento científico, respectivamente, o de controle técnico, o de consenso
ideológico e o crítico emancipador.
Esta proposição, se fundamenta no pensamento que, não se pode separar estas
três dimensões fundamentais da vida humana, ou seja, o trabalho, a linguagem e
o poder, e muito menos, a relação intrínseca existente entre “conhecimento e
interesse”. Vejamos cada enfoque de acordo com os níveis de interesses,
critérios paradigmáticos e suas dimensões de aplicabilidade no âmbito
específico das ciências humanas e sociais.
Nível técnico metodológico
Verifica-se
nesse nível os instrumentos e os passos em que são tomados e sistematizados os
dados e as informações, assim como, a maneira como são enfocados os processos
de conhecimento. Veremos a seguir, as características de cada enfoque de
conhecimento.
O
enfoque empírico -analítico
refere-se as tendências científicas, que apresentam em comum, o interesse pela
“predição e controle”, “empírico”, no sentido de sua intermediação direta com o
mundo empírico, com o mundo sensível, com o mundo observável e analítico, no
sentido que sua maneira de funcionar é predominantemente voltada a dividir os
sistemas com que trabalha, para que, ao desmontá-los, apareça alguma maneira de
pré-dizê-los, controlá-los e validá-los, seja por relações causais internas ou
externas. Na utilização de técnicas de coleta de dados, o tratamento e a
análise dos dados neste enfoque, são marcadamente quantitativos, com uso
acentuado de medidas e procedimentos estatísticos. Os dados, são coletados
através de testes padronizados e questionários fechados, são codificados em
categorias numéricas, que permitem a descrição dos sujeitos através de um perfil,
um gráfico,uma tabela, etc.
O
enfoque fenomenológico-hermenêutico
é essencialmente a reconstrução da realidade a partir de um determinado
contexto. Sua finalidade é compreender a prática atual dos grupos e pessoas
dentro da história, sendo esta contextualização a partir de seu significado e
momento atual ou imediato e na conscientização dos fenômenos. O sentido de
hermenêutico, é o mesmo de interpretar a situação, o hermeneuta em grego quer
dizer o interprete, o tradutor. A hermenêutica surgiu inicialmente no intuito
de reconstruir os momentos nos quais surgiram os diversos livros do Antigo e
Novo Testamento passando depois a tratar de outros eixos de interpretação,
privilegiando a recaptura do todo-com-sentido
. Utilizam técnicas não quantitativas, como entrevistas, depoimentos,
vivências, narrações, técnicas bibliográficas, histórias de vida, análise do
discurso, etc.
O
enfoque crítico-dialético é o estilo
do fazer científico correspondente a produção de disciplinas chamadas críticas
ou crítico sociais. Tem a pretensão essencial de buscar através de um fazer
ciência engajado político e ideologicamente, reflexão e ação para a libertação
e emancipação das classes oprimidas. Tem um interesse além do meramente
especulativo, da descrição, do explicar e compreender, a fim de proporcionar as
armas teóricas, para romper com determinadas estruturas de poder vinculadas nas
interações sociais, desenvolvendo a crítica e alimentando a práxis que
transforma o real e libera o sujeito de seus diferentes condicionamentos. Além
das técnicas anteriores, como entrevistas abertas, histórias de vida, narrações
e vivências, este enfoque utiliza a pesquisa ação e a pesquisa participante no
desenvolvimento de sua metodologia de investigação.
Nível teórico
Compõe
o núcleo conceitual básico de cada enfoque científico, neste nível, verifica-se
os referenciais explicativos e compreensivos dos fenômenos tratados, a
formulação de comparações e críticas a outras teorias, autores que são mais
destacados e o tipo de interesse relacionado ao conhecimento produzido. De
acordo com este nível, reportemos-nos a cada enfoque científico novamente.
O
enfoque empírico-analítico: devido
ter sua origem e desenvolvimento mais significativo nas ciências naturais e
exatas, privilegia autores clássicos, do positivismo e da ciência analítica. O
tratamento dos temas obedece à definição de variáveis, sejam estas
independentes, dependentes, de contexto, de entrada, de processo, de controle,
de saída, ou definidas como facetas, funções ou papéis. Sua fundamentação teórica na maioria das vezes, aparece na
forma de revisões bibliográficas sobre o tema tratado, de apresentação sucinta
de resultados de outras pesquisas na área, ou como elementos que ajudam a
formular os construtos utilizados na definição operacional dos termos e na
especificação das variáveis manipuladas nas situações experimentais. Os
enfoques que não utilizam esta metodologia rigorosa não podem ser considerados
ciência e sim métodos especulativos. Na psicologia experimental, originária do
positivismo norte-americano, encontramos as raízes deste enfoque e sua difusão
para as demais áreas das ciências humanas.
O
enfoque fenomenológico-hermenêutico:
enfoque mais utilizado nas ciências humanas e sociais, concebe o real como
fenômeno “contextualizado” e se preocupa com a capacidade humana de produzir
símbolos para comunicar significados. Por isso, trata-se de um processo de
conhecimento que se realiza por meio de métodos interpretativos. A verdade não
está na objetividade, na fidelidade ao objeto, a verdade é o resultado do
consenso intersubjetivo dos membros do grupo onde o fenômeno se revela e se
manifesta. Há um caráter relativo de verdade, enquanto é verdade para este
grupo, assim como, também há uma relatividade em função do momento, um contexto
e cenário histórico específico, por isso, este enfoque também se chama
historicista ou histórico-hermenêutico. Caracteriza-se pela produção de estudos
teóricos e a análise de documentos e textos. Denuncia ideologias subjacentes.
Encontramos neste enfoque teorias psicológicas chamadas egóicas ou teorias do
EU. Como a psicanálise, gestalterapia, abordagem rogeriana, terapias de cunho
existencial-fenomenológico.
O
enfoque crítico-dialético utiliza
técnicas historiográfica dentro do referencial materialista dialético, no qual
a ciência é entendida como um produto social histórico em evolução, inserida e
determinada pelos interesses e conflitos da sociedade em que se produz. Seus
objetos de estudo, em geral, enfocam temas como a relação educação-sociedade,
as contradições da escola capitalista, a prática libertadora, história das
tendências educativas-pedagógica. Considera, as demais formas, ou enfoques
científicos, como alienados ou alienantes, por não enfatizarem o aspecto
conflitivo das estruturas sociais, não são desta forma, enfoques com
formulações críticas da realidade, não visam também o saber, enquanto
transformação social. Neste enfoque encontramos autores voltados para uma visão
marxista de ciência e de mundo.
Nível epistemológico
Observa-se
particularmente neste nível, a estruturação de causalidade, de ciência e os
critérios de validação como requisitos de prova científica. Vejamos estas
características, nos três enfoques paradigmáticos básicos.
No
enfoque empírico-analítico, algumas
pesquisas defendem a necessidade de diferenciar a pesquisa da crítica. A
pesquisa é tida como um processo técnico de descrição e explicação de
fenômenos. E a crítica como uma postura que inclui valores, apreciações
subjetivas ou propostas ideológicas e políticas. A relação causal possibilita o
controle dos dados empíricos, através de análises estatísticas e teóricas. O
critério de cientificidade está na validação dos instrumentos de coleta de
dados e no trato estatístico.
No
enfoque fenomenológico-hermenêutico explicitam-se
críticas às abordagens fundadas no experimentalismo, nos métodos quantitativos
e nas propostas tecnicistas, pois deslocam o eixo fundamental e negam a
participação essencial da subjetividade humana e o conhecimento enquanto
verdade a partir de cada subjetividade de cada momento ou contexto. Para o
centralismo do objeto, não é o cientista quem dá significados ao que
estuda. Inversamente, pode-se dizer que
o significado do objeto existe, somente a partir da existência humana, da
consciência e de sua forma de perceber e dar significados ao mundo, pode-se
acrescer também que, além de uma subjetividade, é fundamental a
inter-subjetividade. Não se invalida a quantificação, mas esta é apenas um
aspecto da totalidade humana, do todo-com-sentido. A pesquisa não deve ter
caráter acabado, pois o conhecimento, assim como o próprio homem, é um devir a
ser.
No
enfoque crítico-dialético,
questiona-se fundamentalmente as visões estáticas da realidade, implícita nas
abordagens anteriores, porque estas visões escondem o caráter conflitivo,
dinâmico e histórico da realidade. A pesquisa deve manifestar, além da crítica,
um interesse transformador das situações ou fenômenos estudados, resgatando com
a investigação, sua dimensão sempre histórica e materialista de causalidade,
desvendando suas contradições e conflitos de poder.
Nível gnosiológico
Estrutura-se
a maneira de abstrair, generalizar, conceituar, classificar, formalizar, ou em
termos gerais, como cada enfoque científico investiga e concebe o seu objeto de
estudo e a forma de relacioná-lo ao sujeito no processo de conhecimento. De
acordo com os três enfoques básicos de investigação científica, veremos o nível
gnosiológico, da seguinte forma.
No
enfoque empírico-analítico, predomina a objetividade, a pesquisa centrada no
objeto. Portanto este deve ser descrito de maneira rigorosa e fidedigna. A
observação deve ser o máximo controlada e impessoal, despida de concepções
subjetivas. No enfoque fenomenológico-hermenêutico,
a subjetividade é que predomina na investigação científica, a pesquisa é
aberta, sem maiores rigores de controle, sempre inacabada e pessoal, centrada
no sujeito. No enfoque crítico-dialético,
busca-se a concreticidade, a relação recíproca, dinâmica e conflitiva entre
sujeito e objeto. A pesquisa centrada no processo e intermediações sociais e
históricas.
Nível ontológico
Verifica-se
o desenvolvimento da concepção de homem, de sociedade, de história e da
realidade, quer dizer, a cosmovisão que articula o processo de conhecimento.
Utilizemos neste estudo, três dimensões essenciais, para o estudo da
cosmovisão, ou seja, a dimensão do homem, da educação e da história, de acordo
com a abordagem de cada enfoque paradigmático de investigação.
Para
o enfoque empírico-analítico, o
homem é definido pelas concepções mecanicistas e funcionalistas. É um objeto de
estudo, possível de ser controlado. A educação é entendida como treinamento,
visa desenvolver habilidades e aptidões. A história, preocupação sincronia,
isto, é, presentista, não revela os conflitos que antecedem o fenômeno.
Para
o enfoque fenomenologico-hermenêutico,
o homem, numa visão existencial, é visto como um ser inacabado, o homem em
projeto, ser de relações, sujeito transcendente, que dá significado ao mundo e
as coisas. A educação tem a finalidade de criar condições para que o homem
consiga ser mais.A história está respaldada nos pressupostos diacrônicos, os
quais evoluem historicamente.
E
no enfoque crítico-dialético, o
homem é visto enquanto ser social e histórico, determinado por contextos
econômicos, políticos e culturais. A educação é uma prática fundamentalmente
voltada à libertação e transformações sociais, é através dela que iniciamos o
processo de humanização. A história tem uma perspectiva diacrônica, é
considerada o eixo de todas as explicações e da compreensão científica,
mediatizada pelas condições concretas de vida do homem.
Sem
a pretensão de criar um ovo enfoque, ou uma nova maneira de abordar ciência,
mas sim em ampliar e discutir a temática proposta inicialmente com reação à
indissociabilidade entre conhecimentos e interesses, pode-se argumentar que há
uma tendência nos meios científicos em fragmentar esta relação, separar os
elementos componentes desta totalidade.
Entender
nossos interesses, desvinculados dos elementos complexos que compõe nossa
necessidade de controlar, de comunicar e de poder em sua contextualização
dinâmica e histórica, nos leva a proceder, no sentido de desvincular esses
elementos no trato científico das investigações e seus métodos de pesquisa.
Como diz Gamboa (198, p.184) “nesse sentido, ignorá-los ou separá-los
artificialmente, conduz a inconsciência dos procedimentos ou a falsa
consciência que separa o conhecimento do interesse, situação esta que estamos
chamados a superar”.
Nosso
compromisso como agente, produtor de conhecimento, é essencialmente um ato de
poder, que por sua vez, não acontece isolado, é indiscutivelmente social,
envolvendo interesses econômicos, afetivos e éticos, demandando a
construção,utilização e troca de códigos, símbolos e linguagens, tudo isto,
envolto a um contexto histórico determinado.
Nossas
ações enquanto profissionais de uma determinada profissão ou ciência, mesmo na
rotina mecânica da execução de nossas tarefas diárias, estão envolvendo esta
complexidade de relações. Mecanicamente, como bem ilustra o filme “Tempos
Modernos”, de Charles Chaplin, executamos nossas tarefas e não tomamos
consciência da amplitude e complexidade de aspectos que elas, “tarefas”, e nossas
atitudes, “estão” envolvendo.
QUADRO SÍNTESE DOS ENFOQUES
PARADIGMÁTICOS
Bibliografia
FREIRE
– MAIA, Newton. A ciência por dentro. Petrópolis, Vozes, 1990.
SANCHES
GAMBOA, Silvio, em El análisis de lãs tesis del postgrado em educación. PUC São
Paulo,k1987.
VASCO
U.,Carlos Eduardo. Três estilos de trabajo em lãs ciências sociales. Bogotá,
Cinep,1990.
HABERMAS,
J. Conhecimento e interesse in Textos Escolhidos – Os pensadores, São Paulo,
Abril,1983.
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