Mesmo com direito garantido por lei, 13 povos indígenas do
baixo Tapajós até hoje não tem o atendimento específico
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou nesta semana ação
civil para que a União Federal seja obrigada a garantir efetiva prestação de
serviço de saúde diferenciado a treze etnias indígenas do baixo rio Tapajós,
rio Arapiuns, Planalto Sereno e regiões próximas. O MPF também quer que a União
garanta o mesmo atendimento aos índios não aldeados ou que residam em centros
urbanos por outros motivos, como estudo e trabalho.
A ação aponta que desde 2001 as etnias Borari, Munduruku,
Munduruku Cara-Preta, Jaraqui, Arapiun, Tupinambá, Tupaiu, Tapajó, Tapuia,
Arara Vermelha, Apiaká, Maitapu e Cumaruara solicitam atendimento de saúde
diferenciado, conforme determina a lei, mas os pedidos não foram atendidos até
hoje, mais de 14 anos depois. Enquanto isso, os quase seis mil indígenas
continuam sem acesso a postos de saúde nas 60 aldeias e precisam percorrer
longas distâncias se deslocando até o centro urbano de Santarém, local mais
próximo onde há atendimento básico.
Após investigação, o MPF constatou que a Secretaria Especial de
Saúde Indígena (Sesai) não inclui no subsistema de saúde específico os povos
indígenas que não habitam em terras com procedimento demarcatório concluído. O
subsistema de saúde indígena determina a existência de postos de saúde situados
dentro das aldeias com agentes indígenas, além de pólos-base com equipes
multidisciplinares de saúde indígena e Casa de Saúde Indígena (Casai), que
apoia o atendimento de média e alta complexidade e realiza atendimento dos
indígenas que estão nos centros urbanos.
Por consequência, as treze etnias em questão, que vivem em
terras indígenas que ainda não são integralmente demarcadas, pertencentes aos
municípios de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos, não foram incluídas no
subsistema. O mesmo tem sido constatado em relação aos índios não aldeados e
que estão em centros urbanos. Apesar de oriundos de territórios indígenas, a
Casa de saúde Indígena (Casai) tem se recusado a atendê-los com a justificativa
de que eles residem na cidade e, portanto, perderam o vínculo com suas
respectivas aldeias e não têm mais direito ao atendimento diferenciado.
Para o MPF, não se pode atrelar a questão da saúde indígena “à
conclusão dos procedimentos demarcatórios”, sob pena de a omissão e morosidade
do Estado na demarcação de terras gerar outra omissão”, que é a falta de
atendimento à saúde. “Precisamos afastar, de uma vez por todas, a ideia de
índio estereotipado – tal como nos apresentaram durante toda nossa vida escolar
- como um museu vivo. Ou seja, não é necessária a manutenção de um isolamento
forçado dessas comunidades de modo a impedir”seu acesso a bens e utilidades da
vida moderna para que só assim sejam reconhecidos como”índios. Soa até como um
clichê, mas o indígena não deixa de ser índio por usar calça jeans,telefone celular,
estudar em Universidade ou morar em área urbana”, diz a ação judicial.
“Também não é imprescindível, para ser indígena, que suas terras
sejam demarcadas. O que define o indígena é seu autorreconhecimento como tal e
sua ligação aos costumes, crenças e tradições. É o pertencimento a um grupo
culturalmente diferenciado e não a utilização indispensável de tangas, arco e
flecha. Deve-se aceitar que assim como as sociedades não-indígenas
apoderaram-se de práticas culturais fluidas e dinâmicas ao longo dos tempos, o
mesmo ocorreu com os indígenas. Não se pode, portanto, exigir que o índio de
hoje seja o mesmo de 500 anos atrás, sob pena de não o sendo não ser mais
índio”, prossegue.
Em relação aos índios que vivem fora das aldeias, a Portaria do
Ministério da Saúde nº 1.163/99 é categórica: “a recusa de quaisquer
instituições, públicas ou privadas, ligadas aos SUS, em prestar assistência aos
índios configura ato ilícito, passível de punição pelos órgãos competentes.
Assim, não há amparo legal para recusar atendimento diferenciado aos indígenas
que vivem em aldeias não demarcadas integralmente ou que vivem nos centros
urbanos para trabalhar e/ou estudar.
Por conta disso, o MPF quer que todos os indivíduos das treze
etnias sejam cadastrados no Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena e
recebam o Cartão Nacional de Saúde Indígena para atendimento diferenciado. O
MPF também quer a construção de unidades básicas de saúde nas aldeias, para que
os indígenas não precisem se deslocar para lugares tão distantes em busca de
atendimento médico e aloque equipes multidisciplinares nas aldeias. O MPF
também pediu que a Justiça determine a prestação de atendimento a qualquer
indígena, de qualquer etnia, que esteja morando, provisória ou definitivamente,
fora das aldeias.
Ministério Público Federal no Pará
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